15
jul
2015
A Arte da Carta Não Enviada e Como a Internet Nos Transformou em Monstros
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Mais de 10 dias após a batalha de Gettysburg, Abraham Lincoln escreve uma carta ao General Meade, culpando a ele e aos generais Couch e Smith o evento da fuga do General Robert Lee, líder das tropas confederadas.
Nessa carta, Lincoln critica a lentidão da marcha das tropas de Couch e Smith, da passividade de Meade ante a fuga do inimigo, e do fato dele não ter aproveitado do fato que as tropas confederadas estavam presas em território inimigo devido a uma cheia do rio Potomac.
Se enviada, essa carta poderia ter acabado com a integridade do exército da União, ruindo a moral dos soldados devido a uma disputa interna entre os seus maiores líderes. Se enviada, essa carta poderia ter mudado a história dos Estados Unidos da América, e juntamente com isso, a história da civilização moderna.
Mas Lincoln não enviou essa carta. Escreveu sob ela as palavras "Never sent, never signed" ("Jamais enviada, jamais assinada"), colocou-a de lado até que suas emoções esfriassem, e congratulou o General Meade por sua vitória na difícil e sangrenta em Gettysburg.
Lincoln chamava esse tipo de "correspondência" de "hot letters", literalmente, cartas quentes: Escritas em um momento emocionado, seja por raiva, frustração, amor ou até mesmo tristeza, essas cartas não enviadas não eram exclusividade de Lincoln.
Harry Truman certa vez quase falou [Off the Record: The Private Papers of Harry S. Truman, por H. Truman e R. Ferrell] para o tesoureiro dos EUA que "[...]Nem mesmo o Assistente Financeiro do próprio Deus seria capaz de entender a posição financeira dos Estados Unidos, lendo seu relatório".
Churchill, em 1922, teria avisado o Primeiro Ministro David Lloyd George de que "[...]nós estamos pagando 8 milhões por ano pelo direito de viver em um vulcão ingrato (Iraque) do qual não estamos, em circunstância nenhuma, capazes de extrair algo que valha a pena ter.".
As cartas não enviadas permitem que sejam extravasados pensamentos ácidos, sentimentos que não devem ser transmitidos, sentimentos que não podem ser transmitidos.
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"Nem mesmo o Assistente Financeiro de Deus entenderia a posição financeira dos EUA de acordo com seu relatório." |
Nos tempos do email e da mensagem instantânea, é fácil acabar escrevendo e enviado algo do qual você se arrepende alguns segundos depois.
As cartas não enviadas de Churchill ficavam armazenadas em sua escrivaninha, longe dos olhos de quem pudessem ferir, inadvertidamente.
Hoje em dia, é muito mais simples escrever um tweet reclamando de maneira extremamente ácida dos "professores que são muito exigentes".
Compartilhar uma imagem no Facebook que comente sobre chefes ruins e marcar um colega de trabalho nela.
Escrever um textão entitulado "Carta Aberta para XXX" sendo XXX alguma classe social extremamente abrangente, e esperar que AQUELA pessoa entenda.
Podemos falar mal de colegas que não fazem a parte deles, e mesmo assim, nos livrarmos rapidamente da culpa, dizendo que "eu só tava falando, não mencionei ninguém, o problema não é meu se a carapuça servir".
Lincoln precisava encontrar uma caneta, um envelope, e uma secretária para dar voz a seus sentimentos ofensivos em relação as habilidades táticas do General Meade. Hoje, você precisa simplesmente apertar enter para espalhar fotos íntimas de uma ex que te traiu.
É por isso, acho, que vemos tanta acidez vitriólica na internet hoje em dia. Comentários mordazes sobre toda e qualquer opinião contrária. Precisamos apenas apertar um botão e expressar toda nossa raiva interna.
A anonimidade da internet nos roubou da nossa humanidade.
Nos tornamos monstros.
Então, por que não experimentar um exemplo dado por grandes (e não tão grandes) homens e mulheres que vieram antes de nós?
Na próxima vez que você se sentir irritado com seu chefe, com seus colegas de trabalho, com seu conjuge ou parceiro, com seu melhor amigo, ao invés de perder a cabeça, escreva uma carta, ou até mesmo um email. Diga o por que você está irritado. Diga o que você precisa dizer, já que, muitas vezes, é só isso que precisa ser feito: Contar o que se sente.
Pense antes de comentar algo. Você tem certeza que quer realmente ofender a mãe de uma pessoa só por que ela gosta de Big Brother Brasil?
Leia a carta depois. Pondere se você realmente tem razão. Será que parte da culpa não é sua? Será que suas expectativas não estavam além daquilo que seria razoável? Será que você não está sendo só um babaca intolerante com a opinião alheia?
Se quiser, realmente, envie, mas só depois de repensar no que você ia falar.